Mário, Patrícia, Rafael e Inês
O nosso percurso na toxicodependência foi semelhante ao de tantos homens e mulheres que lá passaram ou que ainda lá estão.
Tudo começou de uma forma inocente para nos sentirmos parte de algo (um grupo de amigos) ou simplesmente pela atração por fazer o que não convém. Ambos crescemos em famílias de pais divorciados, com instabilidade emocional e financeira. A preocupação dos nossos pais era garantir o nosso sustento, e claro que não havia tempo para um acompanhamento mais presente nas nossas vidas. O excesso de liberdade facilitou todo este processo.
No meu caso (Patrícia), o primeiro contacto com haxixe foi aos 13 anos, de uma forma muito inocente, mas a verdade é que a porta estava aberta. Aos 17 anos experimentei a heroína e com 19 anos engravidei. Escondi a gravidez da minha família e fui para a Holanda com o pai do meu filho. Nada correu como esperávamos e regressámos a Portugal estando eu com 8 meses de gravidez. Nessa altura eu não consumia, mas o meu companheiro continuava a consumir diariamente. Após o nascimento do Rafael foi uma questão de tempo até voltarem os consumos. Esta vida de esquemas e mentiras para manter uma aparência durou 4 anos até que foi inevitável, perdi o meu trabalho, uma casa e a guarda do meu filho foi-me retirada pela comissão de Proteção de menores, que entregaram o meu filho à minha mãe. Foi um tempo muito difícil, vivi nas ruas do Pinhal Novo alguns meses, tempo em que a morte me cercou bem de perto. Neste cenário tive contacto com uma equipa do café convívio do Pinhal Novo (centro de atendimento a toxicodependentes ligado à Igreja Evangélica), tinha como objetivo fazer a ponte para entrada no programa de reabilitação do Desafio Jovem. Foi um processo demorado pois sempre que os via escondia-me ou fugia pois as suas palavras incomodavam-me, era algo que eu desejava mas não acreditava que seria possível sair daquela situação, quanto mais que existia um Deus que se importava com a minha vida – Eu nem acreditava em Deus!
Esta equipa foi incansável, não desistiram. Mesmo apesar do meu desprezo, acreditaram que Deus tinha o melhor para a minha vida.
Entrei no Centro de recuperação em Lourel com 25 anos, no dia 23 de março de 1998 – primeiro dia de uma vida nova – nesta caminhada de recuperação da vida a Comissão de Proteção de Menores após dois anos deu por finalizado o processo e fiquei com a guarda do meu filho.
Eu, o Mário, tive um percurso semelhante – comecei os consumos com 16 anos. Consegui manter a aparência durante 11 anos. Era vendedor de fruta e o negócio dava para conseguir manter a aparência de uma vida que não tinha. Mas é um facto que o dinheiro nunca chega para este tipo de vida e comecei a afetar financeiramente todos os que estavam à minha volta. Estava com casamento marcado e quando se descobriu foi tudo por água abaixo. Apesar de tudo, consegui sempre manter o meu trabalho, sempre com muitas idas ao Casal Ventoso para consumir. Instalado o caos e desespero na minha vida tive conhecimento de uma igreja Evangélica em Setúbal que encaminhava os toxicodependentes para o Desafio Jovem.
Frequentei assiduamente as reuniões e dei entrada no Centro de Recuperação em Castanheira do Ribatejo no dia 28-09-1997 já sem consumir e com um desejo enorme que Deus mudasse a minha vida.
Os nossos caminhos cruzaram-se quando estávamos na Equipa de Voluntariado da Operação Josué onde casámos no ano de 2002. Deus presenteou-me com uma mulher e um filho – o Rafael e um ano depois uma menina, a Inês – FAMÍLIA – conceito de Deus.
O Desafio Jovem foi a casa onde conhecemos o amor de Deus manifestado através das pessoas que nos acompanharam – fica a gratidão a Deus e aos nossos conselheiros, João Gomes, Adriano Carvalho e Rute Morais, Mimi e João Botica, os seus familiares e tantos outros que neste percurso passaram pelas nossas vidas – sem o seu sentido de missão não teria sido possível.
“Porque os meus pensamentos não são os vossos pensamentos, nem os vossos caminhos os meus caminhos, diz o Senhor.
Porque assim como os céus são mais altos do que a terra, assim são os meus caminhos mais altos do que os vossos caminhos, e os meus pensamentos mais altos do que os vossos pensamentos.