Aos 14 anos, e após a separação dos meus pais, fui viver com a minha avó. De rédeas soltas, faltava às aulas e ia para casa dos amigos ou para o café, mas não para a escola.
Um dia um amigo convidou-me para ir com ele, não fazia ideia que a minha vida a partir daí nunca mais ia ser a mesma. O rapaz comprou droga e convidou-me para ir a casa dele. Sentamo-nos frente a frente nuns sofás, e ele começou a preparar um “caldo” de heroína e a injetar-se. De seguida vi-o preparar outro e pensei: ”Este tipo é maluco, vai morrer aqui à minha frente…”. Percebi então que ele tinha outros planos, pediu-me para esticar o meu braço, e eu, sem reagir, como se fosse natural, fi-lo e apaguei completamente.
A partir daí só me meti por maus caminhos. Contei a um amigo meu que já consumia, (que já fazia parte do Clube!) e passados três meses estávamos a viver sozinhos na casa que tinha sido dos meus pais antes do divórcio.
Como se pode calcular aconteceu de tudo – drogas duras, festas, álcool, noitadas, vizinhos a chamar a polícia, etc.. Foram cinco anos de queda vertiginosa. O facto de ter começado muito cedo nesta vida, não me permitiu aprender valores, estava mentalmente desestruturado e não tinha ninguém que me orientasse.
Deixei a escola, comecei a trabalhar como canalizador e tudo o que ganhava era para a droga. Perdi tudo. O dinheiro que ganhava depressa se tornou insuficiente, comecei a roubar – por esticão, estabelecimentos abertos e fechados, familiares, patrões. Só nunca roubei os clientes dos meus patrões, vá-se lá saber porquê.
No meio desta desgraça toda, só me restava a minha avó que era um misto de mãe e de santa, ainda que ralhasse comigo e me tentasse corrigir. Sempre aceitei as palavras dela. Sempre cuidou de mim apesar dos seus 84 anos. Felizmente, ainda assistiu à minha recuperação e chegou a conhecer aquela que é hoje a minha mulher.
Apesar do tipo de vida que levava, quando chegava à noite à minha cama, depois de ter injetado 500 escudos de heroína, chorava com uma profunda tristeza ao perceber que todos os sonhos e ambições que pudesse ter iriam por água abaixo, e isto fazia sentir-me como lixo. Decidi então pedir socorro. Liguei ao meu tio Aurélio que me disse que seria a primeira e a última vez que me daria a mão.
Foi então que, em Abril de 1994, fui ao Café Convívio das Laranjeiras. Magro e todo vestido de preto, mesmo assim, receberam-me de braços abertos. Falavam de Deus e da Bíblia e eu disse: -“Isto não é para mim”. Mas foi! As pessoas interessavam-se mesmo por mim e o amor delas cativou-me e esse carinho e compaixão fizeram-me querer entrar para o Desafio Jovem para me recuperar.
Sabendo que me esperava um tempo grande de ressaca, decidi deixar de consumir por mim próprio antes de entrar, assim, quando entrei estava suficientemente lúcido para tratar da minha nova vida em todas as suas áreas: biológica, psicológica, social e espiritual, sendo esta última a essência do tratamento do Desafio Jovem. Entendi que Deus tem um propósito para a minha vida e que Ele é a cura total para o Homem total.
A herança que ficou da vida que levei, foram todos os tipos de hepatite, e durante algum tempo ainda receei ter o vírus do HIV, mas, graças a Deus não, e mesmo as hepatites já negativaram todas.
Mais tarde, também no Desafio Jovem, conheci a Sofia que não tinha tido um passado de toxicodependência, mas tinha acompanhado o pai que também tinha feito o programa do Desafio Jovem. Casámos em 1998.
Em 2004 dei início a uma nova etapa da minha vida. Recorri ao apoio do IEFP (Instituto de Emprego e Formação Profissional), estabeleci-me com uma empresa em nome individual na qual, hoje, emprego pessoas que também fizeram o programa do Desafio Jovem. Esta empresa tem crescido de ano para ano e fico feliz pois não devo nada a ninguém. Tenho todos os meus encargos em dia. Nunca mais vão poder dizer que um sou um ladrão.
Em 2007 nasceu o Samuel, após longos anos de espera por uma gravidez que tardava em acontecer. Este foi mais um milagre de Deus na nossa vida que se repetiu em 2011, altura em que o nosso filho foi acometido de uma leucemia linfoblástica aguda, da qual está em plena recuperação. Também este processo, apesar de muito doloroso, tem servido para conhecermos mais o poder de Deus e crescermos como pessoas.
Há coisas que vêm à nossa vida, que se não viessem e não passássemos por elas não nos tornaríamos nas pessoas que somos hoje.
Hoje sou um homem grato, com valor, com uma família, com uma vida com sentido, pois aquilo que Deus fez na minha vida terá, inevitavelmente, que influenciar outros.