Fernando Mora Gonçalves

Chamo-me Fernando Gonçalves, vivo em Torres Vedras, cidade onde nasci há 57 anos. Nasci num bairro pacato, tive uma infância feliz, na altura em que se passava o tempo a brincar com os amigos na rua.

Veio a escola e embora não fosse um excelente aluno, fui um aluno médio, pouco ambicioso. Ainda na escola comecei a praticar basquetebol desporto que sempre gostei muito, nunca tive jeito para o futebol (alguns que comigo estiveram no programa ainda se devem lembrar da pouca vontade que eu tinha para jogar).  

No final dos anos 70, em plena adolescência comecei a ter uma (entre outras) paixão pela música e a ter uma grande admiração pelas bandas rock e punk e pelos seus membros, a tentar copiar a sua forma de vida (sempre envolvidos em grandes loucuras e consumos de droga). Nasceu talvez daí o meu desejo de experimentar as drogas, pois eu não fui dos que foram convidados a experimentar, eu tinha desejo de o fazer, e foi com outros amigos da escola que a experimentámos pela primeira vez, como quase todos, começámos pelos charros que íamos fumando esporadicamente, mas rapidamente já não fazíamos nada sem antes “enchermos a cabeça” primeiro, depois veio a onda dos speed´s e dos drunfos e começávamos a ter drogas que nos acompanhavam em cada situação da vida, era preciso era fugirmos da realidade.

Foi nos primeiros anos da década de 80, que experimentei pela primeira vez a droga que me levaria do “céu ao inferno”, a heroína. Ela começou por me dar as melhores sensações, por me fazer sentir completamente desinibido, todos os problemas pareciam desaparecer logo que a consumia. Lembro-me até de gostarmos das primeiras sensações de ressaca. Na altura (em Torres Vedras) tudo era novo, não tínhamos (maus) exemplos para (não) seguir, a informação era pouca e inclusive tínhamos de ir a um dos muitos bairros de Lisboa para comprar, o que neste caso até era bom, pois durante algum tempo consegui consumir só aos fins de semana.

Os primeiros locais de venda de heroína, nos bairros da periferia de Torres Vedras, começaram a aparecer e foi o princípio do fim. Ela estava mais acessível, e o consumo aumentou. A vida dupla que consegui ter até então, começava a ser difícil de manter, posto entre a espada e a parede pelos meus pais, começo as tentativas para sair, ao princípio sozinho, tentando a abstinência, método que além de muito doloroso estava condenado ao fracasso, passei depois à ajuda médica, processo menos doloroso físico e mental e com o qual consegui deixar de consumir, mas só até ter aquela oportunidade “perfeita”, em que ninguém vê, ninguém vai saber, vai ser só hoje, e lá “ela” te deu a volta novamente.

A cada nova tentativa, mais difícil se tornava, não tanto fisicamente, mas muito mais psicologicamente. Eram dias em que tudo me passava pela cabeça, não só os outros deixavam de acreditar que eu conseguia, mas eu próprio começava a não acreditar ser possível.

Ouço então falar do Desafio Jovem, quando o meu primo Henrique (mais que um primo foi o irmão que não tive, no melhor e pior, foi muito duro para mim vê-lo partir recentemente, já não por consequência das drogas, mas do seu uso no passado, por graves problemas no fígado), começou a frequentar o café convívio da Marques da Silva, e eu (por pressão da minha mãe) lá vou também. Fui com muito pouca vontade e pensando que não voltava, mas ao entrar e contactar com as pessoas, muitas que estavam ou já tinham passado pelo mesmo problema, falávamos a “mesma língua”, até comecei a gostar. Calhei na mesa do conselheiro Nuno Ribeiro, começámos então a falar das nossas experiências, das nossas dificuldades, como funcionava o programa, as etapas, e o que nos esperava no final, começo então a ouvir falar de Deus e do muito que Ele poderia fazer por mim.

Quem dirigia o café convívio era o Francisco Chaves, e como já tive oportunidade de partilhar muitas vezes, foi a sua maneira de falar de Deus e dirigir nos louvores que me fez voltar.

Fazendo parte dos requisitos para entrar no programa, frequentar uma igreja local, eu começo a frequentar a Assembleia de Deus de Torres Vedras, e aos sábados lá ia até à “Marques”, sempre com a ideia que bastava frequentar o café convívio durante uns tempos, e talvez conseguisse sem ter de entrar no programa (como estava enganado). Mas, chegou o dia, entrei para o centro de crise de Lourel no dia 7 de dezembro de 1993, lembro-me como se fosse hoje, lá fui eu com os meus pais e a conduzir a minha velhinha 4L.

Os primeiros tempos foram difíceis, tudo era diferente e acentuavam-se as minhas dificuldades com tudo o que era espiritual. Sempre apoiado pelo meu conselheiro Rui Romão, e que excelente equipa tinha Lourel na altura, como diretor estava Pedro Morais (e a sua esposa Sara), como conselheiros estavam o Hélder Moisão (a sua esposa Paula e o pequeno Tiago) e o Rui.

O centro era um espaço muito cuidado, era muito agradável viver ali, na distribuição de tarefas calhou-me o artesanato, sítio onde gostei muito de estar e onde vim a conhecer o Paulo Marques um dos muitos amigos que fiz no Desafio Jovem.

Passei então para Fanhões e ali continuei o meu crescimento, agora com o conselheiro Pedro Bogalho, a minha passagem pelo programa teve dias difíceis, e outros muito difíceis, mas muito mais foram os dias de felicidade, de muita aprendizagem, de onde trouxe muito boas memórias e onde criei muitos amigos, muitos que infelizmente já partiram, mas são muitas vezes recordados. Temos agora oportunidade de partilhar essas boas memórias no grupo Velha Guarda Desafio Jovem, grupo criado para todos aqueles que de alguma forma passaram pelo Desafio Jovem.

No processo de entrada para o programa, começo a frequentar a igreja local, onde vim a conhecer a Lina com quem comecei a namorar, e não foi fácil para ela, confiar num ex-toxicodependente e certamente aguentar a pressão dos familiares e amigos a protegê-la de “um drogado”, aproveito para homenagear todas as mulheres e homens que como ela, apoiaram (ou apoiam) quem tudo faz para ter uma nova oportunidade. Casámos em 1996 e fomos pais da Cláudia dois anos depois, quando entrei para o programa há 26 anos atrás, não me passava pela cabeça que passados estes anos, teria uma família que amo tanto e uma filha a frequentar o ensino superior. Havendo coisas na vida que gostaria de melhorar, sinto-me um homem feliz.

Agradeço aqui a todos os que ao longo do tempo, me ajudaram a ser uma melhor pessoa.           Deus vos abençoe.